Paulo Rosa

Se não estiveres seriamente preocupado

Por Paulo Rosa, Sociedade Científica Sigmund Freud, Associação Psicanalítica Argentina
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Perplexo / e nauseado / não estarás bem informado. Aqui uma paráfrase xucra de um poema do diplomata e poeta mineiro Francisco Alvim, sendo ele ganhador de um prêmio Jabuti, entre outras aventuras. Do poeta mesmo é: “Disseram na Câmara - Quem não estiver seriamente preocupado e / perplexo / não está bem informado”. Tomei a liberdade de, por ser um campeador de Alvim, acrescentar “nauseado” e de agauchar a forma verbal porque queria, primeiramente, aproximá-lo destes suis extremos. Além disso, olhando bem como as coisas vinham acontecendo neste país brasil, não há como fugir de manifestações digestivas de profundo desagrado, repulsa e preocupação ante ocorridos pretéritos.

 
É neste clima de apreensão, não ainda solidamente superado, e que exige permanente vigilância, que folheio o opúsculo editado em 2017, pela Companhia das Letras, 50 poemas de revolta. O pequeno livro é um grande manifesto republicano. Os editores selecionaram 34 poetas brasileiros, homens e mulheres, entre clássicos e novíssimos, para indagarem na apresentação: “Toda poesia é política?”. Qual é a dúvida, cara? Qual gesto ético não o é? Então seguem os editores na abertura do livraço que cabe no bolso, 140 páginas: “A poesia é, por si, ato de resistência. Além de não comercial, espécie de antiproduto, antimercado, dirigida a um círculo restrito de leitores, é uma reação à automatização da linguagem, do pensamento, dos sentidos. Quando o poeta lança seus da[r]dos em resposta às notícias de jornal, a política aparece não apenas como um dos componentes que definem o gênero poético, mas também como temática do poema. Com profundo desejo de transformação, os versos se rebelam contra as mazelas sociais e conquistam alta voltagem de mobilização. É uma poesia engajada, indignada, insubordinada...são poemas que, em tempos sombrios,” (lembremos que os poemas de revolta foram lançados em 2017, anos de terraplanismo) “procuram jogar luz sobre incontáveis modalidades de negligência e opressão que estão (estavam) na ordem do dia”.

 
Da poeta Angélica Freitas, nascida em Pelotas, em seu poema “porto alegre, 2016” ela diz: “e quando você viu as bombas / caírem sobre cidades distantes / com aquelas casas e ruas / tão sujas e tão diferentes / ... não pensou duas vezes / nem trocou o canal / e foi pegar comida / na geladeira // não reparou o que vinha / que era só uma questão de tempo / não interpretou como sinal a notícia / ... / agora a colher cai da boca / e o barulho de bomba é ali fora / e a polícia pra cima de teus afetos / munida de espadas, sobre cavalos”. Esse alerta “angelical”, que nos serve para que os olhos olhem o que está a acontecer com antecipação, identifica também o porquê filósofos atinados, à moda Nietzsche, tinham e têm tanto interesse pela poesia. Em cada filósofo um poeta, em potencial, ou já real.

 
Descarte armas, cate poemas.

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